Quando a guerra chega à porta de sua casa, todo o espaço para a criatividade deixa de existir. Como é possível criar algo quando sirenes de ataques aéreos soam intimidadoramente nas ruas causando uma série de pensamentos inquietantes na sua cabeça?
Os designers da Awesomic.io compartilham suas histórias e contam como a guerra influencia seu trabalho, vida e criatividade.
“Algo que não verei mais”, Dmytro Shelestynskyi
“Na minha época de escola, eu ia neste complexo esportivo praticar vôlei e ping-pong. Mais tarde, na adolescência, fotografei algumas sessões perto da fachada do prédio que era construído em estilo brutalista. Durante a guerra, esse complexo esportivo foi destruído pelos invasores. Infelizmente, eu vi o vídeo com o prédio em chamas e devo dizer que nunca havia visto um incêndio igual, nem em filme. Aqui está um desenho do vitral que jamais esquecerei.”
“Perceber que tudo que foi base para as minhas memórias de infância está sendo destruído hoje é bastante doloroso. Tenho o desejo de criar um projeto sobre a melhoria e renovação da cultura em Rubizhne. Claro, as prioridades mudaram agora, porque a vida humana é a coisa mais valiosa. Quero que o menor número possível de pessoas sofra com esta guerra. No entanto, a arquitetura de Rubizhne tem muito significado para mim e, como designer, acho que a restauração do vitral será uma boa ideia para a reconstrução da cultura na região de Luhansk.”
“Saí de casa duas vezes”, Oleh Idolov
“Tive que sair de casa duas vezes por causa das agressões feitas pela Rússia. Em 2014, deixei minha cidade natal, Yalta. Agora, oito anos depois, tive que deixar Kiev por motivos de segurança. A experiência anterior me ajudou a enfrentar tudo novamente. No dia 24 de fevereiro, o mundo em que acordei, não era totalmente diferente. Certas coisas mudaram, claro, e senti a natureza desse conflito. No entanto, eu estava moralmente preparado para isso e consegui lidar com a situação melhor do que os outros.”
“Quando a guerra começou, muitos dos meus colegas tentaram explicar aos russos que era preciso acabar com a guerra e influenciar o governo. Eu achei que isso não iria adiantar, então concentrei meus esforços na comunicação visual para países ocidentais e instituições e fundos de caridade.”
“Minha vida no 25 de fevereiro e a fuga da cidade ocupada”, Anna Koval
“O dia 25 de fevereiro, como todos os dias seguintes, começou dentro do abrigo. Alertas constantes sobre as colunas inimigas se movendo em nossa direção e bombardeios incessantes. Lebedyn – a cidade em que eu morava – estava cercada. Eu me beliscava de vez em quando para ver se acordava. Nos primeiros dias, não conseguia pensar em nada e não conseguia voltar a trabalhar.
O trabalho parece uma coisa sem importância e estranha de ser feita enquanto você ouve explosões de sua janela. Eu não conseguia me concentrar. Assim que tentava começar a trabalhar, ouvia sirenes anunciando ataques aéreos. Lebedyn foi bombardeada na noite de 3 de março. Foi a coisa mais horrível que já presenciei. Eles bombardearam a usina elétrica, então ficamos sem eletricidade e água. De manhã, peguei o telefone do meu irmão e liguei para meus colegas para dizer que estava tudo bem. Minha equipe me apoiou imensamente durante esse tempo e sou muito grata por isso.
Com o passar do tempo houve muitos outros ataques aéreos, então era preciso correr para nosso abrigo no porão todas as noites. Era impossível dormir ali dentro por causa da umidade e do frio. Eu estava começando a enlouquecer. Muitas pessoas estavam deixando a cidade. E minha família? Bem, temos uma família grande, um pastor alemão e gatos, mas nenhum carro. Achei que deixar a cidade seria impossível. Mas conseguimos escapar pelo corredor verde no dia 14 de março, aniversário do meu irmão. Abracei todo mundo antes de partirmos, porque não sabia se iria conseguir fazer isso novamente. Porém, ao meio-dia, conseguimos chegar à Poltava em segurança.”
“Gratidão ao longo dos anos”, Ulya Myronova
“Há alguns anos, um médico ucraniano me operou. Quando a guerra começou, o colega americano desse médico iniciou uma campanha de arrecadação de fundos para apoiar a Ucrânia. Eu descobri sobre isso e fiz uma ilustração para o meu médico. Ele então presenteou esta ilustração ao professor americano.”
A arte de designers ucranianos com temática de guerra
A arte em tempos de guerra torna-se uma forma de expressar dor e angústia. Os designers da Awesomic.io contam suas histórias pessoais nos trabalhos que você vê abaixo.
“Esta é uma ilustração sobre todas as crianças e adultos que fugiram dos horrores da guerra em Kramatorsk e precisaram começar tudo do zero.”
“Tentei me imaginar nos primeiros dias da guerra. Acho que essa ilustração ressoa com muitas pessoas e que elas vão se ver nela.”
“Tentativas de ter um momento de paz nestes tempos terríveis. Todo ucraniano tenta fazer isso hoje.”
“Parem Putin! Isto não é uma brincadeira! Ele não vai parar por conta própria. Somente o mundo unido pode resistir às intenções cínicas e mortais deste tirano.”
“Esta ilustração foi criada em memória a minha amiga Yulia de Kharkiv. Ela decidiu ficar na cidade, mas morreu em 8 de março. Posso dizer que esta ilustração é dedicada a todas as mulheres que morreram durante a guerra.”
“Tenho dois desenhos favoritos da minha infância. Um deles é o desenho animado russo “O ouriço no nevoeiro”. Todos nos encontramos em meio a essa guerra horrível que muda tudo, até minhas memórias de infância. Nada será como antes.”
“Fiz este pôster após a 10ª (um jubileu, na minha opinião) derrota russa em Chornobayivka.”
*A palavra que se repete no fundo é “Chornobayivka”, a cidade na região de Kherson onde as forças russas sofreram pesadas perdas de aeronaves e veículos mais de 10 vezes.
“Atentado à torre de TV de Kiev em 2 de março de 2022. Fragmentos de foguetes caíram no memorial de Babyn Yar, um local de assassinatos em massa de judeus durante o Holocausto.”
“Fiz esta ilustração em um dia em que fiquei plenamente consciente de que meu lar é o que mais estimo no meu coração e é insubstituível.”
“Esta ilustração foi inspirada no evento que aconteceu em 18 de março. Um caça russo colidiu com um grupo de gansos, seu motor falhou e o avião caiu em um pântano. Sinto muito pelos pássaros, mas o exército ucraniano teve um caça a menos para destruir.”
“Fiz este cartaz depois do 18 de março, quando vi uma iniciativa local em Lviv. Carrinhos de bebês vazios na praça Rynok simbolizavam as vidas perdidas dos pequenos. Isso me machucou muito. Já havia 109 crianças mortas naquela época. Os russos mataram 109 crianças desde o início da invasão. E esse número está crescendo e a dor só se intensifica”
“Eu queria expressar como me senti quando criei esta ilustração. Isso mostra claramente o que está acontecendo na Ucrânia.”
“A ideia de um guarda-chuva me ocorreu quando Kharkiv estava sob intenso bombardeio, estava literalmente chovendo bombas. Então eu tive a ideia dessa metáfora, como se a OTAN pudesse se tornar esse “guarda-chuva” e nos proteger disso.
Também quis mostrar que as pessoas não podem se proteger de bombardeios. Eu queria mostrar o quão surreal é quando russos atacam pessoas inocentes e despreparadas, por isso escolhi a metáfora da bomba caindo em um guarda-chuva.
Eu acho que cada pessoa que ver essa ilustração vai entender de forma diferente. Mas se eu fizesse ela hoje, associaria o guarda-chuva às Forças Armadas Ucranianas porque são nossa defesa mais forte, na minha opinião.”
A guerra é horrível, de fato. Mas devemos nos adaptar a uma nova realidade e continuar vivendo. Essas ilustrações são uma das formas de processar pensamentos e sentimentos com a ajuda da arte. Lembre-se que a guerra não vai durar para sempre. Em breve, voltaremos a tomar café em nosso lugar preferido, planejar viagens à Lviv e Kharkiv, e caminhar calmamente pelas calçadas das nossas cidades. E vamos substituir as ilustrações sombrias da guerra por ilustrações vívidas sobre as nossas belas vidas.
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