Esses dias saiu a já famosa planilha da publicidade “Como é trabalhar aí?” versão 3.0.
Para quem não conhece, trata-se de um excel que você pode editar – unicamente e exclusivamente – a sua linha de comentário, de forma pública e anônima. A essência da planilha é para que você compartilhe algum comentário sobre sua agência, de novo, de forma pública e anônima. Friso isso duas vezes porque, na internet, o anonimato é facilmente confundido entre duas diferentes vertentes, às vezes um escudo para construir, noutras, como um meio de atacar “sem consequência“.
Prova disso? Basta você olhar os comentários racistas, recheados de xenofobia, machismo e na maioria de vezes, sem sentido de tão absurdo que se espalham em matérias de grandes portais, publicações de facebook e rede sociais de famosos. Você já deve ter testemunhado casos onde os usuários nem ligam de não estar no anonimato pra soltar críticas racistas sobre o cabelo da nova âncora do maior jornal televisivo ou, destilam frases machistas e sexistas sobre as estrias de uma das atrizes consideradas uma das mulheres mais bonitas do mundo em seu perfil pessoal de instagram.
Tá, mas agora imagina todo esse comportamento redimensionado para uma planilha de alto potencial raivoso e exclusiva do meio publicitário. Onde você pode abrir uma linha e, sem medo de ser feliz, ferir ou acabar com a carreira de alguém ou a reputação de uma agência, escrever aquilo o que bem quiser. Verdades. Mentiras. Conspirações. Fofocas. Críticas construtivas ou apenas destilar raiva de forma alheia. Pois é, este é o resultado deste viral que ocorre no nosso mercado algumas vezes ao ano.
Existem pontos positivos sobre essa planilha?
Sim. Muitas vezes existem comentários sobre determinados comportamentos e condições que, uma vez acessados pelos donos ou que se tornem expressivos, podem acarretar em mudanças positivas para os colaboradores e/ou mercado. Desde a falta de banheiro, troca de aparelhos, ou a busca por novos benefícios. Existe também a vertente comportamental do mercado, que culmina na exposição de colaboradores e líderes predadores, assediadores, que faltam com o profissionalismo ou não detém entrega, estes tópicos acabam por também ser uma pauta comum, entretanto, a velocidade com que essas informações se constroem não acompanha, muitas vezes, a veracidade dos fatos ali apresentados.
Tá, mas qual a preocupação? É só uma planilha…
É possível destruir desde a reputação de uma agência até a carreira e/ou o emocional de uma pessoa com essa iniciativa e, estas consequências podem estar sendo amplificadas sem uma verdade por de trás. Existe quem mereça ter a carreira desprestigiada em função de comportamentos nocivos e tóxicos com outros profissionais? Sim, com certeza, mas será que precisamos mesmo de uma planilha pra fazer isso? Será que a planilha faz isso ou o calibre dela não pode ser muito maior e incontrolável, provocando insegurança, crises de pânico em depressão por quem se pega surpreendido com alegações e nomes numa planilha de anônimos?
Não seria mais eficaz iniciar coletivos e grupos que construam – com verdade, credibilidade e fundamento – a importância de uma escuta mais ativa e ética dos profissionais/tomadores de decisão dentro das agências? Que auxilie e fortaleça o RH – área que muitas vezes é visto como departamento de recrutamento apenas, para, por exemplo, mapear e executar soluções práticas sobre tudo isso?
Diversas iniciativas ganham vida para, de forma prática, mudar a realidade no mercado de trabalho. Um exemplo que particularmente eu admiro muito é o coletivo MORE GRLS, que luta pela igualdade de gênero na área de criação no mercado publicitário, criando meta e angariando agências que entrem na luta por uma porcentagem igualitária de mulheres representando na propaganda.
Talvez a gente precise de algo legítimo, não de uma planilha que desperta – algumas vezes, o pior do nosso lado. Em sua maioria, se você acessar para ler, são comentários sexistas, que expõem o nome de profissionais, que falam sobre casos & affairs dentro da agência, até de irritação do perfurme/cheiro de alguma pessoa ou até sobre a temperatura do café. Algumas das situações tem nitidamente o objetivo de prejudicar a imagem da agência, de determinada área ou de alguém em específico, acho que ao invés de um arquivo temporário viral que corre a internet, seja necessário a gente construir algo mais estratégico e que detenha, de fato, uma ideia construtiva por de trás.
Talvez seja a hora de iniciativas que incitem mudanças reais ao invés de uma lista das “pessoas mais bonitas da quarta série b” rodando pela internet.
Esse artigo não tem o intuito de passar pano para assediadores e profissionais que faltam com ética e respeito no nosso mercado, é uma provocação para pensarmos em como, efetivamente, mudar algo que hoje detém o mesmo poder que qualquer meme de internet: tem uma vida útil curta & intensa e no fim não muda muita coisa.
Mas e aí, qual a sua opinião sobre a planilha?