[showads ad=300]Esse post foge um pouco do tradicional do Comunicadores, mas a intenção é a de explorarmos espaços novos, com um conteúdo diferente, mas sempre com o propósito de trazer algo útil para o leitor.
Segundo Ian Bogost define em A Retórica dos Videogames, quando surge uma retórica através da criação de procedimentos, ela é chamada de Retórica Procedural. Ela serve para provar pontos de vista através da interação do jogador com o espaço de jogo, utilizando um conjunto de regras previamente estabelecidas. Ok, é uma forma chata de falar algo que pode ser exemplificada de uma forma universal. Mas pra isso, eu vou pedir que você resgate as suas memórias da infância.
Lembra quando você se juntava com seus amiguinhos e amiguinhas pra brincar de Changeman (ou qualquer outro Super Sentai, como Power Ranger para os mais novos)? Ali você estabelecia um espaço (o mundo em que se passavam as histórias que você via na TV), e as regras de funcionamento desse mundo. Quem fosse o herói vermelho, lideraria o grupo de amigos. Cada herói tem os seus poderes. Todos eles lutariam contra o amiguinho que fosse o monstro/vilão.
Mas qual o procedimento? É a forma com que a história deve se desenrolar: Primeiro os heróis lutam contra os capangas. Depois contra o monstro, que morre. Então o monstro é ressucitado e cresce, e os heróis o combatem usando o seu robô gigante.
E que conceitos, que ponto de vista, esse processo quer mostrar? Simples: que não importa o quão poderoso seja o mal, o bem sempre vence. Quem nunca ouviu isso dos pais?
Em resumo, é isso que significa Retórica Procedural.
Não sou nenhum especialista na área, nem em Retórica Procedural. Só achei o aprendizado extremamente interessante e resolvi compartilhar aqui. Portanto, vou usar o mesmo exemplo do artigo escrito por Ian, mas colocarei um pouco da minha visão pessoal nas linhas que se seguem.
A Retórica Procedural nos games
Animal Crossing e uma roupagem simples para criticar o consumismo

A Nintendo teve um ótimo período no mercado de videogames portáteis durante o início da década de 2000, lançando jogos de grande sucesso como Animal Crossing (série que teve várias novas versões ao longo dos anos). O jogo que é uma espécie de “simulador de vida”, permite que o jogador se mude para uma pequena cidade habitada por animais e viva lá, interagindo com os moradores locais.
Mas segundo Ian, esse game é — na verdade — uma simulação de comércio e consumo. E mais: devido ao contraste entre os NPCs (Non Player Characters, ou seja, os “bonequinhos controlados pelo computador”), o jogo funciona como crítica.
Na versão analisada por Ian, o jogo funcionava assim: O jogador chega na cidade e é recebido por Tom Nook, um comerciante local que lhe dá um casebre e algumas tarefas (pelas quais o jogador é pago). E assim começa a vida do personagem na cidade: Ele começa a trabalhar pra ganhar dinheiro, pra poder comprar itens na loja do Nook, e expandir a sua casa.
A casa pode ser reformada e aumentada através de hipotecas que são pagas para o comerciante que recebeu o jogador na cidade. Toda vez que a hipoteca termina de ser paga, comerciante expande a sua loja — que inicia como uma vendinha simples e termina como uma grande loja de departamentos — disponibilizando novos produtos para compra.
Um detalhe interessante é que, assim que a loja disponibiliza novidades, Tom Nook também disponibiliza um novo empréstimo para o jogador poder aumentar a sua casa já que, do tamanho que ela está, não vai comportar todas as compras que o jogador fará na loja. A casa é muito pequena para ter tudo que o jogador “precisa para viver bem”.
Note que o jogo trabalha com hipotecas, ou seja, o jogador estará sempre com uma dívida ao longo de toda a sua vida, já que o objetivo dele é consumir mais e mais. Esse é o procedimento do jogo: ter débitos e acumular bens materiais.
A parte onde se mostra a crítica ao procedimento, é nos NPCs: enquanto o jogador vai ficando com uma casa maior para comprar mais itens, os personagens não jogáveis continuam sempre com as mesmas casas, os mesmos pertences e hábitos simples que não necessitam de aparelhos novos. E mesmo assim, são muito felizes — o que, no final das contas, é o objetivo do jogo e da vida.

Então a Retórica Procedural está apresentada. Ao invés de usar uma maneira “tradicional” para expor uma idéia de que você não precisa de tantos bens materiais para ser feliz, pois você só terá mais tarefas, pra conseguir mais dinheiro para, o pior de tudo, estar sempre em dívida… Bem, o criador do game te fez ter passar por todo esse processo, e te mostrou que é possível ser feliz com menos.
Mas Animal Crossing não é o único game que faz isso, e eu consigo lembrar de mais alguns…Mas isso fica pra outro post (link no final).
Por que isso é importante para a criação de uma educação melhor?
Esse é um dos vários conceitos que podem ajudar a criar aulas mais interessantes, com materiais didáticos mais interessantes. Os jogos usados para a educação não precisam ser, apenas, jogos educativos. Existem jogos comerciais, grandes como Animal Crossing ou independentes como This War of Mine e Papers Please, que podem ser levados para a sala de aula e gerar debates interessantes sobre diversos assuntos.
E se você ainda não percebeu que a educação é melhor gerada através do debate e da construção de idéias e projetos individuais ou coletivos, você tem que rever os seus conceitos.

As aulas puramente expositivas já eram ultrapassadas quinze anos atrás, quando eu estava na escola… Imagina hoje em dia? É preciso pensar em atividades que sejam mais condizentes com o mundo de qualquer pessoa que esteja com vontade de aprender. E não falo apenas dos jovens, o “público” que primeiro vem a cabeça quando pensamos em jogos e novas tecnologias educacionais. Pôxa, adultos também! Ou vai me dizer que ninguém que sobreviveu a adolescência fica exposto diária e constantemente a internet, serviços de streaming, jogos e a diversas outras formas de tecnologia?
Se o professor fizer o aluno experimentar situações e conceitos, ao invés de simplesmente explicá-los, e depois propor um debate onde o grupo trará suas percepções e debaterá as percepções dos outros… Além de falar sobre o que (e quanto) aquela experiência fez com que eles pensassem diferente… Isso não seria muito melhor?
Se você acha que não, diga o porquê nos comentários e vamos fazer um debate bacana. E se você concorda, mas tem algo para dizer que complemente esse texto, faça isso também! =)
Gostou? Escrevi mais! Olha esse post que mostra outro jogo como exemplo: This War of Mine.
Concordo em um modelo de ensino que deixe de ser apenas expositivo e seja também construtivo e reflexivo, que faça o aluno pensar, pois está faltando isso não só nos jovens, mais também nas gerações mais velhas, que estão nessa modinha de “liberdade de expressão” onde falam o que querem, mais não pensam nas consequências e como seus comentários afetam o outro.